Um laboratório numa folhinha de papel ?!



Lab-on-a-chip é o nome desta técnica, em inglês. Ela permite fazer análises químicas em um sistema miniaturizado, economizando espaço, tempo e dinheiro. Quer saber como?

Recentemente, alguns pesquisadores da Universidade de Harvard, entre os quais o Prof. George Whitesides, um pesquisador muito conhecido na Química por suas pesquisas inovadoras, usaram essa técnica usando pequeninos papéis.

Entenda o princípio da coisa, que é muito legal. Você já deve ter percebido que, quando colocamos pingos de tinta num papel e o molhamos, a tinta borra. Ou seja, ela se espalha em qualquer direção, como na figura 1 abaixo.



Figura 1 - Papel onde foi aplicado tinta.


A ideia desses pesquisadores foi acrescentar, ao papel comum, outros materiais, de modo a fazer a tinta se espalhar de forma ordenada. Quer ver como fica? Olhe a figura 2 abaixo.



Figura 2 - Papel modificado quimicamente (blue ink- tinta azul; red ink- tinta vermelha; paper- papel)


O que aconteceu? O papel foi tratado quimicamente e foram deixadas marcas internas, ou pequeninos caminhos, para a água passar. Esses caminhos permitiram levar a tinta até o ponto que os pesquisadores desejavam.

Quando os pingos de tinta vermelha e azul foram colocados no papel, eles seguiram o único caminho que poderiam (pois os outros caminhos foram fechados durante o tratamento químico do papel). E o resultado foi esse, o mapa da África apareceu, como desejavam os pesquisadores! Ou seja, o papel modificado quimicamente (processo chamado de dispositivo microfluido) fez com que a tinta seguisse apenas um percurso, ordenado, ao invés de se espalhar de qualquer jeito.

A tinta se espalha no papel por um fenômeno chamado capilaridade, através de canais ultra-finos que existem naturalmente em qualquer papel. Para os papéis comuns, que usamos no dia a dia, esse fenômeno ocorre de uma forma desordenada.

O grupo de Harvard tratou o papel com substâncias químicas conhecidas como polímeros (para saber o que são, veja a matéria....neste site). Os polímeros usados nesse trabalho, como o óleo, não gostam nem um pouco de água e são chamados de hidrofóbicos (hidro- água; fobia- medo). Assim, eles puderam fazer com a tinta percorresse um caminho sem interagir com a água.

Vamos pensar na aplicação desse processo. Imagine se você aplica sangue no papel modificado quimicamente, onde foram deixados apenas dois caminhos.
Primeiro, o sangue vai seguir o caminho da direita. No seu final, aplicamos um reagente químico capaz de informar quanto de açúcar tem no seu sangue. No segundo caminho, à esquerda, o sangue percorre e encontra, ao final, outro reagente capaz de indicar quanto de gordura tem no seu sangue.
Teremos dois diagnósticos sobre a qualidade do sangue, e tudo isso num simples papelzinho. Não é o máximo? Essa idéia também pode ser muito útil para investigações criminalistas, concorda?

O papel tem a vantagem de ser barato, maleável, fácil de ser transportado e não quebrar, diferente de qualquer laboratório.

Recentemente, esses pesquisadores adaptaram a tecnologia para ser acionada por uma simples ponta de caneta, e substituíram o tratamento do papel por fitas dupla-face, com uma folha de papel de cada lado. Parece simples, mas exige tecnologia e, é claro, muita imaginação.

O resultado está apresentado na figura 3.

Num primeiro instante (t = 0), aplica-se a tinta azul. A seguir (t = 1 min), pressiona-se a ponta da caneta na primeira marca, que vai acionar o primeiro caminho. Veja que no tempo t = 2 min, aparece uma mancha azul acima da marca que foi pressionada. Ou seja, a tinta migrou por esse caminho, e só por esse. E assim até o final do experimento.



Figura 3 - Novo dispositivo desenvolvido pelo grupo do Prof Whitesides usando fita dupla-face.


Você pode imaginar quanta coisa daria para fazer com esse papel “mágico”?

Para saber mais:
1. Artigo original: Programmable diagnostic devices made from paper and tape. Andres W. Martinez, Scott T. Phillips, Zhihong Nie, Chao-Min Cheng, Emanuel Carrilho, Benjamin J. Wiley e George M. Whitesides, Lab Chip, 2010. DOI: 10.1039/c0lc00021c;
2. http://www.qmc.ufsc.br/qmcweb/artigos/labchip.html.

Créditos imagens:
Figura 1
Figura 2
Figura 3

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