Na época em que desenvolvi o mestrado, o foco das minhas pesquisas era o material que algumas estrelas "jogavam fora" quando estavam chegando ao fim de suas vidas. Você sabia que as estrelas "espirram" bastante quando começam a ficar velhinhas e, nesse processo, jogam fora uma boa parte desse material para o espaço entre as estrelas, também chamada de meio interestelar? Esse “resto” estelar é rico em elementos químicos, produzidos no interior das estrelas. À medida que o material formado se afasta da estrela, ele se esfria e ocorre a formação de moléculas. Isso mesmo! Moléculas interestelares! Nesse processo também se formam os grãos de poeira interestelar que, em conjunto com as moléculas ali presentes, fazem com que o meio interestelar não seja nada um espaço vazio.
Foi para estudar a química do material interestelar que ingressei nos estudos de doutorado e, desde então, tenho trabalhado nessa área rica e multidisciplinar chamada de Astroquímica (mistura entre astronomia, física, química, bioquímica, e outras).
Para você entender como esta área é realmente incrível, precisa entender duas coisas:
-que os organismos vivos contêm quatro tipos básicos de substâncias orgânicas: proteínas (formadas por aminoácidos), glicídios (açúcares), lipídios (gorduras) e ácidos nucléicos;
- que uma das teorias sobre a origem da vida na Terra sugere que substâncias orgânicas, que se formaram no espaço, foram depositadas em nosso planeta por cometas e asteróides. Na presença de água, esta sopa deu origem aos organismos vivos.
Hoje em dia, sabemos da existência de mais de 200 espécies químicas diferentes no espaço e, acredite, mais da metade delas são substâncias orgânicas (constituídas de carbono e hidrogênio- veja o caça-palavras sobre “Elementos químicos”). Você sabia que muitas dessas moléculas também estão presentes nos cometas? Bem recentemente, moléculas de glicina, um material importantíssimo para os organismos vivos (um tipo de aminoácido) foram detectadas no cometa Wild 2, por uma sonda espacial lançada pela NASA. Incrível, não é mesmo?
Meu trabalho consiste em simular experimentalmente, em laboratório, algumas situações físico-químicas extraterrestres, como a superfície de cometas, planetas, luas e grãos interestelares. Em um dos nossos experimentos de astroquímica, simulamos a atmosfera de uma das luas de Saturno, chamada Titã. Após cerca de 70 horas de experimentos conseguimos obter, dentre diversos compostos orgânicos, uma espécie importantíssima conhecida por adenina (que dá origem aos ácidos nucleicos, uma das bases da vida em nosso planeta!!).
Atualmente estamos investigando, além do efeito da radiação estelar, o papel dos raios cósmicos na transformação dessas moléculas interestelares. Tudo isso para tentar colocar mais uma peça no quebra-cabeça sobre origem da vida e investigar a possibilidade de existir vida em outros ambientes extraterrestres.
Sergio Pilling é do Instituto de Pesquisa & Desenvolvimento da Universidade do Vale do Paraíba – UNIVAP.
Contato: sergiopilling@yahoo.com.br